Publicações - 26/04/21
Aspectos Penais da Nova Lei de Licitações, Lei Nº 14.133/2021
Em 1º de abril de 2021, entrou em vigor a Lei 14.133/2021, conhecida como a Nova Lei de Licitações, que promoveu incisivas alterações na regulamentação dos procedimentos licitatórios e contratos administrativos. No que diz respeito à matéria criminal, revogou todos os crimes previstos na Lei 8.666/93 e introduziu onze tipos penais no ordenamento jurídico, organizando-os em capítulo próprio no Código Penal, o Capítulo II-B “dos crimes em licitações e contratos administrativos”.
A maioria das condutas incriminadas pela Lei n. 8.666/93 continuam criminalizadas na nova lei, com nova roupagem jurídica no Código Penal. Exemplo disso é o novo crime de “contratação direta ilegal” do artigo 337-E do Código Penal, figura equiparada ao antigo crime de dispensa indevida de licitação do artigo 89 da Lei n 8.666/93. O ponto mais relevante, analisado ao final, é o aumento exagerado das penas para esses crimes.
Seguem a mesma lógica os seguintes tipos penais, previstos na nova e na antiga Lei respectivamente: (i) frustração do caráter competitivo da licitação, artigo 337-F e artigo 90; (ii) patrocínio de contratação indevida, artigo 337-G e artigo 91; (iii) modificação ou pagamento irregular em contrato administrativo, artigo 337-H e artigo 92; (iv) perturbação de processo licitatório, artigo 337-I e artigo 93; (v) violação de sigilo em licitação, artigo 337-J e artigo 94; (vi) afastamento de licitante, artigo 337-K e artigo 95; (vii) fraude em licitação ou contrato, artigo 337-L e artigo 96; (viii) contratação inidônea, artigo 337-M e artigo 97; e (ix) impedimento indevido, artigo 337-N e artigo 98.
Dentre as modificações promovidas pela nova lei, destaca-se a exclusão dos parágrafos únicos nos crimes de contratação direta ilegal e modificação ou pagamento irregular em contrato administrativo, que previam, na legislação anterior, a extensão de responsabilidade penal ao beneficiado que concorreu para a consumação do crime.
Entretanto, mesmo com a exclusão desses parágrafos, cumpre observar que aquele que se beneficia e concorre dolosamente para a consumação do delito ainda responde pelos crimes previstos na nova legislação, ante a previsão do artigo 29 na parte geral do Código Penal[1]. Nesse sentido, a alteração da nova lei serve justamente para corrigir uma indevida repetição de normas dentro de um mesmo diploma legal e não deve se confundir com uma exclusão de responsabilidade daquele que igualmente concorre para a consumação do crime em conjunto com o servidor público.
Outra importante modificação foi a cisão do tipo penal de contratação inidônea em duas condutas distintas. A primeira é admitir à licitação empresa ou profissional declarado inidôneo (art. 337-M, caput), conduta punida de 1 a 3 anos de reclusão e multa, e a segunda é a de celebrar contrato com empresa ou profissional declarado inidôneo, cuja pena é de 3 a 6 anos de reclusão e multa.
Na Lei 8.666/93, as duas condutas eram tipificadas no caput do artigo 97 e punidas com a pena de 6 meses a 2 anos de reclusão e multa. Assim, a nova Lei, para além de aumentar a pena para as duas condutas, optou por punir mais gravemente a conduta de celebrar o contrato com pessoa inidônea, visto que nessa o resultado é mais gravoso para a Administração Pública.
Destaca-se ainda que o artigo 337-L, que tipifica o crime de fraude em licitação ou contrato, excluiu a previsão do artigo 96 da Lei n. 8.666/93, que limitava a prática deste crime às licitações instauradas para aquisição de bens ou mercadorias, estendendo a conduta a todos os tipos de licitação. No novo artigo, houve importante modificação também no que diz respeito as condutas descritas nos incisos, punindo-se a prestação de serviços que contrariem frontalmente o especificado em edital de licitação.
Por outro lado, para além de reproduzir os crimes da antiga Lei de Licitações, a Lei 14.133/2021 inovou e criou o tipo penal de “omissão grave de dado ou informação por projetista”, previsto no artigo 337-O do Código Penal[2], com a pena de 6 meses a 3 anos de reclusão e multa.
O objeto de tutela do tipo penal é a idoneidade das informações prestadas à administração pública para formação de seu veredicto final para a contratação da melhor proposta, criminalizando-se a conduta do projetista que dolosamente, em prejuízo do caráter competitivo da licitação, omite, modifica ou entrega à administração informações em “relevante dissonância com a realidade”. Pune-se a conduta com o dobro da pena ao projetista que pratica a conduta com o fim especifico de obter benefício, direto ou indireto, próprio ou de outrem, por força do §2º do referido artigo.
Por fim, ressalva-se que a mais importante inovação da Lei 14.133/93 foi o aumento de pena para todos os crimes licitatórios. Nesse ensejo, destaca-se que os novos tipos penais de contratação direta ilegal, frustração de caráter competitivo de licitação, modificação ou pagamento irregular em contrato administrativo, e fraude em licitação ou contrato são punidos agora com 4 a 8 anos de reclusão e multa. Na lei anterior, eram punidos, além da pena de multa, com 3 a 5 anos de reclusão, com exceção do crime frustração de caráter competitivo de licitação, cuja pena era de 2 a 4 anos de reclusão.
As duas principais consequências do aumento de pena nesses crimes consistem, primeiro, retirar a possibilidade de celebração de acordo de não persecução penal, permitido apenas nos crimes cuja pena mínima seja inferior a 4 anos, na forma do artigo 28-A do Código de Processo Penal.
A segunda é a mudança no regime inicial de cumprimento de pena em caso de condenação, que anteriormente poderia ser o regime aberto (art. 33, §2º, alínea “c”, CP) e agora ocorrerá em regime semiaberto (art. 33, §2º, alínea “b”, CP) ou, em situações mais gravosas, até em regime fechado (art. 33, §2º, alínea “a”, CP).
O objetivo do legislador em promover o aumento de pena nesses crimes é, possivelmente, evitar o sempre declamado “senso de impunidade” daquele que causa prejuízos à administração pública e ao seu patrimônio em procedimentos licitatório, punindo-se mais gravosamente sua conduta e proibindo-se o uso de institutos processuais despenalizadores.
Entretanto, as novas penas atribuídas aos crimes licitatórios proporcionam algumas distorções dentro da sistemática do Código Penal. Em análise comparativa, as penas de 4 a 8 anos aplicadas a alguns dos crimes licitatórios se equiparam a dos crimes contra o patrimônio praticados mediante grave ameaça ou violência (como roubo e extorsão, que são punidos com 4 a 10 anos de reclusão), estupro (penas de 6 a 10 anos) e lesão corporal grave (penas de 1 a 5 anos e 2 a 8 anos, respectivamente §1º e §2º do art. 191, CP), condutas mais gravosas e que tutelam bens jurídicos mais sensíveis.
Nosso conteúdo que versa sobre as Principais Mudanças da Nova Lei de Licitações está disponível em: http://dprlaw.com.br/publications/main-changes-introduced-by-the-brazilian-new-bidding-law-law-no-14-133-2021/?lan=_pt
[1] Art. 29 – Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.
[2] Art. 337-O. Omitir, modificar ou entregar à Administração Pública levantamento cadastral ou condição de contorno em relevante dissonância com a realidade, em frustração ao caráter competitivo da licitação ou em detrimento da seleção da proposta mais vantajosa para a Administração Pública, em contratação para a elaboração de projeto básico, projeto executivo ou anteprojeto, em diálogo competitivo ou em procedimento de manifestação de interesse:
Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, e multa.