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Publicações - 29/01/20

Método de Avaliação de Programas de Compliance: Critérios usados pelo Departamento de Justiça dos EUA

O United States Department of Justice (DOJ) estabeleceu os critérios para avaliar os programas de compliance de empresas no curso de investigações e eventuais procedimentos criminais. [1] A versão atualizada deste documento, o Evaluation of Corporate Compliance Program (Updated Evaluation Guidance), foi publicada em abril de 2019.

O Updated Evaluation Guidance tem como objetivo orientar e auxiliar os promotores do DOJ na tomada decisões sobre se, e em qual medida, o programa de compliance das empresas estaria efetivamente sendo cumprido à época da ocorrência do delito e da denúncia das empresas. Nesse sentido, o guia oferece informações de apoio para que os promotores possam determinar: (i) a forma do processo, (ii) a multa pecuniária, se aplicável, e (iii) as obrigações de compliance contidas na decisão de um eventual processo criminal corporativo (como a imposição de monitoria ou de delações).

Apesar de não ter força de lei, o Updated Evaluation Guidance é uma referência de grande importância para empresas no âmbito de compliance a nível global e grande valor de persuasão de decisões do DOJ. O Updated Evaluation Guidance não prevê um procedimento rígido a ser seguido pelo DOJ na avaliação das políticas de compliance das empresas sob investigação. No entanto, o documento fornece valiosa orientação para elaboração e implementação de programas de compliance em empresas que conduzem negócios ou qualquer tipo de transação comercial ou financeira nos Estados Unidos ou que tenham qualquer conexão com o mercado norte-americano.

A pertinência destas considerações é resultado do alcance jurisdicional extraordinariamente vasto do Foreign Corrupt Practice Act (FCPA) em relação não só a companhias e agentes do mercado nos Estados Unidos, mas também aos estrangeiros. De fato, o chamado “interstate commerce” pode estabelecer jurisdição do FCPA sobre conexões telefônicas para os Estados Unidos, sobre o envio de e-mails usando servidores localizados nos Estados Unidos, ou a realização de transações bancárias que passem pelo sistema bancário dos EUA, mesmo que brevemente.

Além disso, os dispositivos do FCPA estabelecem jurisdição sobre pessoas físicas e jurídicas. A legislação se aplica a pessoas norte-americanas e “emissores” nos EUA – qualquer empresa, norte-americana ou estrangeira, que esteja registrada em uma bolsa de valores nos Estados Unidos ou que registre relatórios junto ao Security Exchange Commission (SEC) – atuando em qualquer parte do mundo. Embora as exigências sejam direcionadas aos emissores, também se aplicam a suas subsidiárias e afiliadas, de forma que o emissor é responsável por garantir que todas as suas afiliadas e subsidiárias (inclusive as estrangeiras e joint ventures) observem a regulamentação contábil. A jurisdição do FCPA também se estende a todos os executivos, diretores, funcionários, agentes ou acionistas que agem em nome dessa pessoa jurídica, independentemente de seu local de residência ou nacionalidade. Apesar dessas disposições não se aplicarem diretamente às empresas de capital fechado, é recomendável aos “não-emissores” respeitá-las, uma vez que auxiliam no gerenciamento do risco de violação às regras anticorrupção.[2]

Portanto, as práticas recomendadas pelo DOJ no Updated Evaluation Guidance têm caráter preventivo, e devem ser observadas e incorporadas nos programas de compliance das empresas como best practices.

O Updated Evaluation Guidance abrange grande parte do conteúdo de seu documento predecessor com o mesmo nome (publicado em fevereiro de 2017). Uma das novidades é o foco no treinamento adicional dos promotores no tocante a eficácia dos programas de compliance. Ademais, o Updated Evaluation Guidance trata cada uma das áreas abordadas de maneira mais contextualizada, incluindo apresentações curtas que explicam a relevância de cada tópico e, em alguns casos, incluem citações do Justice Manual e das U.S. Sentencing Guidelines.

Os doze tópicos do guia (um a mais do que em sua versão de 2017) se apresentam em forma de respostas a três questões fundamentais trazidas pelo documento como diretrizes na avaliação da eficácia dos programas de compliance das empresas:

  1. O programa de compliance da empresa é bem estruturado?

O Updated Evalutation Guidance enfatiza que o “ponto de partida para um promotor avaliar se um programa de compliance é bem estruturado é entender os negócios da empresa sob uma perspectiva comercial, como a empresa identificou, avaliou e definiu o seu perfil de risco e o grau em que o programa dedica recursos aos aspectos de riscos”. Os temas relevantes destacados dentro dessa área incluem:

Avaliação de Risco: verificar se o programa de compliance foi “estruturado para identificar condutas irregulares específicas mais prováveis de ocorrer dentro do contexto de negócios particulares da empresa”, sobretudo em “ambientes regulatórios complexos”. É preciso indagar como e com que frequência a cultura de compliance da empresa é medida e como esta análise é usada a fim de garantir o aperfeiçoamento do programa da empresa.

Documentação Orientadora Corporativa – Políticas e Procedimentos: um programa de compliance bem estruturado envolve políticas e procedimentos que possuem “conteúdo e normas éticas eficazes que busquem diminuir os riscos identificados pela companhia durante sua análise de riscos”. Itens dos programas de compliance apontados como relevantes são: estrutura, acesso à terceiros, responsabilidade pela integração operacional e treinamento de pessoal relacionado às políticas e procedimentos das empresas.

Treinamento e Comunicações: destaca a importância de políticas abrangentes e treinamento dos promotores do DOJ, que os permitam questionar se os procedimentos de compliance são cumpridos por meio dos sistemas de controles internos da empresa e se estão integrados na estrutura corporativa.

Estrutura Confidencial de Relatórios e Processo de Investigação: os promotores devem observar a efetividade dos mecanismos de delação, considerar se as investigações são conduzidas de forma adequada por uma equipe devidamente qualificada, avaliar a receptividade e a adequação das respostas obtidas com as investigações, e averiguar o correto emprego dos recursos e monitoramento de resultados.

Gerenciamento de Terceiros: um programa de compliance deve realizar o devido due diligence em relação aos relacionamentos comerciais da empresa com terceiros. Nesse sentido, a análise dos promotores deve ter como base os seguintes fatores: o risco envolvido e o processo de interação comercial, a existência de mecanismos de controle apropriados, a gestão dos relacionamentos, e as ações tomadas pela empresa e suas consequências.

Fusões e Aquisições: é importante examinar o processo de due diligence utilizado em fusões e aquisições e a conexão entre due diligence e implementação do programa de compliance da empresa.

  1. O programa de compliance está sendo aplicado com integridade e boa-fé? Em outras palavras, o programa está sendo efetivamente implementado?

O DOJ ressalta que “mesmo um programa de compliance bem elaborado pode ser malsucedido se, na prática, sua implementação for relapsa ou ineficiente”. Nesse contexto, os temas relevantes destacados dentro dessa área incluem:

Compromisso da Alta e Média Gerência da Companhia: observar a conduta dos líderes executivos da empresa se os parâmetros éticos previstos nas políticas e procedimentos da companhia são devidamente seguidos.

Autonomia e Recursos: durante sua avaliação, os promotores devem se certificar de que a equipe de compliance da companhia possui estrutura, experiência, qualificação, autonomia e recursos adequados. Além disso, é necessário analisar como a área de compliance é constituída em comparação a outras áreas estratégicas da empresa, em termos de remuneração e poder decisório, entre outros critérios.

Incentivos e Medidas Disciplinares: deve-se verificar se as empresas possuem procedimentos disciplinares claros e em vigor, devidamente obedecidos e aplicados de forma consistente, nos diferentes setores da organização.

  1. O programa de compliance da empresa funciona na prática?

O DOJ reconhece a simples existência de uma conduta irregular não significa que a política de compliance da empresa seja deficiente. Ao avaliar a efetividade de um programa de compliance no momento da ocorrência do delito e do indiciamento, os promotores devem considerar como a irregularidade foi identificada, os recursos investigativos disponíveis e a adequação das medidas reparatórias que foram utilizadas pela companhia. Os temas relevantes destacados dentro dessa área incluem:

Melhoria Contínua, Testes Contínuos e Revisão: seguindo o previsto no Justice Manual, promotores devem considerar se a revisão do programa de compliance da companhia é realizada à luz de aperfeiçoamentos e de conhecimentos adquiridos. Também, cabe aos promotores verificar não apenas a realização de auditorias internas, mas também analisar as atitudes tomadas pelas empresas no intuito de detectar condutas irregulares.

Investigação de Desvios de Conduta: verificar se a investigação foi conduzida de forma adequada por uma equipe qualificada e qual foi o nível de reação da empresa alcançado com a investigação.

Análise e Remediação do Desvio de Conduta: é necessário examinar a origem da irregularidade, a fragilidade nos controles internos da empresa, eventuais problemas no sistema de pagamento e a adequação do gerenciamento de fornecedores. É também fundamental ponderar se existiam indícios de irregularidade anteriores à transgressão, as ações tomadas pela empresa para que o delito não seja recorrente, e se a empresa tomou as medidas apropriadas de responsabilização pela irregularidade detectada.

Assuntos de compliance estão em voga, e são, por definição, dinâmicos e controversos. Barreiras jurisdicionais são extremamente reduzidas e a abordagem é multifacetada e global. De fato, nenhum país ou empresa está imune à corrupção e, por isso, as empresas devem manter-se permanentemente vigilantes.

Companhias precisam estar em constante acompanhamento das tendências dos principais agentes no cenário internacional, no sentido de aperfeiçoar continuamente seus mecanismos internos de controle e remediação. O DOJ é um dos mais relevantes agentes na construção do regime de compliance internacional, e sua orientação é focada em resultados. Portanto, as empresas devem analisar com cautela o Updated Evalutation Guidance e adequar suas políticas de compliance para assegurar que suas operações estejam genuinamente comprometidas com os best practices. Estes esforços contribuem para que as empresas trilhem um caminho ético e competitivo.

 

Janaina Müller é associada no De Paula Dias

Carolina Machado é advogada especializada na área de compliance e dispute resolution

 

 

[1] A íntegra do documento (versão original em inglês) pode ser encontrada em https://www.justice.gov/criminal-fraud/page/file/937501/download

[2] http://fcpamericas.com/languages/portugues/jurisdicao/#