unitri

News

Voltar
Share
FacebookTwitterLinkedIn

Publicações - 26/10/20

Responsabilidade criminal dos diretores, administradores e sócios em crimes tributários

É comum no dia a dia forense o oferecimento de denúncia, no contexto de crimes tributários, em face de todos os eventuais diretores, administradores e sócios, ou em face de qualquer um que tenha poder de decisão ou comando de uma determinada empresa.

Verificada a supressão de tributos, com indícios muito simples de prática de crime, essas pessoas são intimadas em investigações policiais e posteriormente podem ser submetidas a processo criminal. As análises dos órgãos oficiais pouco dão importância à real existência de atos de sonegação, assim como ao efetivo exame da participação do agente no crime, bastando sua posição dentro da empresa para que seja alvo de investigação criminal. Esse cenário se verifica, sobretudo, por dois motivos.

O primeiro é o fato de haver uma jurisprudência, em caminho de consolidação, que defende a flexibilização do artigo 41[1] do Código de Processo Penal. Por essa jurisprudência, prega-se que, em crimes cometidos dentro de uma empresa, não há a obrigação do Ministério Público descrever minuciosamente a conduta de cada agente na denúncia, bastando que identifique o acusado e sua posição dentro da empresa, bem como a demonstração da existência de um crime.

Exemplo de aplicação dessa jurisprudência é o julgado no AgRg no HC. 508.036/SC, de rel. do Min. Jorge Mussi, quem decidiu “Nos chamados crimes societários, embora a vestibular acusatória não possa ser de todo genérica, é valida quando, apesar de não descrever minuciosamente as atuações individuais dos acusados, demonstra a plausibilidade da imputação e possibilitando o exercício da ampla defesa, caso em que se consideram preenchidos os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal” (STJ, AgRg no HC n. 508.036/SC, rel. Min. Jorge Mussi; Quinta Turma; julgado em 28/05/2019).

Seguindo esse fundamento, em crimes tributários há o entendimento de que o artigo 11[2] da Lei 8.137/90[3] não limita a responsabilidade criminal ao responsável dentro da empresa pela obrigação tributária, motivo pelo qual há a possibilidade de coautoria e participação no âmbito desses delitos[4].

Assim, em tese, é possível que qualquer pessoa na posição de comando da empresa possa ser autor de um crime tributário. Esse entendimento, em conjunto com a flexibilização do artigo 41 do Código de Processo Penal, acaba fundamentando o oferecimento de denúncia em face de todos os indíviduos com poder de comando dentro da empresa, mesmo que não haja qualquer relação entre o âmbitdo de competências destes e a sonegação tributária.

A flexibilização do artigo 41 do Código de Processo Penal é temerária. Isso porque, mesmo que seja inviável a descrição minuciosa da conduta do agente, ainda é ônus do Ministério Público a descrição de todos os elementos constitutivos do crime imputado aos acusados. Isto é, deve o órgão de acusação, em crimes tributários, demonstrar a existência de uma conduta dolosa que guarda relação de causalidade com o resultado do crime, que é o desfalque patrimonial sofrido pela Fazenda.

O segundo motivo que justifica esse cenário é a falta de interpretação que se faz entre a responsabilidade criminal e responsabilidade administrativa por infrações tributárias, esta última que é mais ampla e está preceituada no artigo 136 do Código Tributário Nacional, o qual estabelece que “a responsabilidade por infrações da legislação tributária independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato”.

Portanto, a infração tributária é de responsabilidade impessoal. A exceção está no artigo 137 do Código Tributário Nacional, que preceitua, em resumo, que a responsabilidade por infrações tributárias pode ser pessoal ao agente quanto às infrações conceituadas por lei como crimes ou contravenções, quanto às infrações em cuja definição o dolo específico do agente seja elementar, ou aquelas que decorram direta e exclusivamente do dolo específico.

A esfera administrativa, porém, não reserva maiores espaços para a perquirição da real existência de dolo e conclusões açodadas são muitas vezes acatadas. Veja-se que nem sequer há intimação para depoimento.

No direito penal, por sua vez, a responsabilidade é sempre pessoal e, nos crimes tributários, exige-se o dolo. Isso porque ninguém pode ser punido por crime sem dolo, salvo quando expresso em lei, como determina o artigo 18, parágrafo único do Código Penal. Isto é, só há responsabilidade criminal por conduta culposa quando expressamente previsto no tipo penal. No contexto dos crimes tributários, disciplinados na Lei 8.137/90 e no próprio Código Penal, inexiste a previsão de qualquer crime culposo em nosso ordenamento jurídico.

Sendo assim, para a responsabilização de eventuais diretores, administradores e sócios de uma determinada empresa, deve haver comprovação de uma conduta dolosa e nexo de causalidade entre esta e a sonegação do tributo. Não basta, portanto, que determinada pessoa exerça cargo de comando na empresa para que seja responsabilizada criminalmente pela sonegação de tributos, se não há dolo e relação de causalidade.

Pelo menos sobre esse tema, a jurisprudência caminha nesse sentido. O Supremo Tribunal Federal, em voto do Ministro Celso de Mello, decidiu que “a circunstância objetiva de alguém ser meramente sócio ou exercer cargo de direção ou de administração em sociedade empresária não se revela suficiente, só por si, para autorizar a presunção de culpa (inexistente em nosso sistema jurídico-penal) e, menos ainda, para justificar, como efeito derivado dessa particular qualificação formal, a correspondente persecução criminal” (STF, HC n. 88.875/AM; rel. Min. Celso de Mello; Segunda Turma; publicado em 12 de março de 2012).

No âmbito do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a jurisprudência caminha em sentido semelhante. Em julgados recentes, o tribunal tem decidido que não basta que a pessoa seja sócia, administradora ou diretora da empresa, sendo ônus do Ministério Público provar a existência de dolo e nexo de causalidade para aferir a responsabilidade criminal.

Exemplo disso é o Acórdão da Apelação Criminal n. 0061518-74.2013.8.26.0506, de rel. do Des. Camilo Lelis, quem decidiu “É fundamental distinguir-se a responsabilidade tributária da penal, sendo certo que esta última não existe responsabilidade objetiva, decorrente apenas tão-somente da condição de sócio-gerente da empresa devedora” (…) “Na esfera penal, para que algum dos sócios responda por algum dos crimes capitulados na Lei 8.137/90, deve haver prova da conduta que tenha praticado e que se subsuma a algum dos tipos penais em questão” (TJSP, Apelação Criminal 0061518-74.2013.8.26.0506; Rel. Des. Camilo Léllis; 4ª Câmara de Direito Criminal; Data do Julgamento: 09/10/2020).

Portanto, em conclusão, apesar do risco de serem alvo de investigações criminais por crime contra a ordem tributária que administradores e diretores em geral sofrem, há diversas possíveis defesas e distinções que podem e devem ser efetuadas para a limitação das tentativas de responsabilização penal.

 

 

[1] Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.

[2] Art. 11. Quem, de qualquer modo, inclusive por meio de pessoa jurídica, concorre para os crimes definidos nesta lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida de sua culpabilidade.

[3] Lei de Crimes contra a Ordem Tributária, Econômica e contra as Relações de Consumo.

[4] Esse entendimento pode ser exemplificado pelo julgado no RHC n. 97756, de rel. do Min. Sebastião Reis Júnior, para quem “De fato, não se faz necessário que o imputado conste como responsável pela obrigação tributária, admitindo-se a coautoria ou participação nos termos do art. 11 da Lei n. 8.137/1990” (STJ, RHC n. 97.756/RS; rel. Min. Sebastião Reis Júnior; Sexta Turma; julgado em 12/06/2018).