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Publicações - 27/04/20

Como lidar com o Inesperado: Força Maior nos Tempos de Pandemia

O presente artigo foi produzido pelo nosso escritório parceiro nos EUA De Almeida Pereira PLLC

Os amantes Lorentino e Fermina, no clássico de Gabriel Garcia Marques, “O amor nos tempos do cólera”, são separados por circunstâncias fora do seu controle. Atualmente, muitas companhias se veem igualmente incapazes de cumprir seus desejos e obrigações com parceiros de negócios, fornecedores, clientes e contrapartes contratuais. O Covid-19 interrompeu o comércio, deixando muitas empresas incertas sobre o que virá pela frente e como suas relações comerciais vão continuar se desenvolvendo.

O instituto da Força Maior é reconhecido em diversos sistemas legais em todo mundo. Embora o conceito possa ter formulações diferentes, a depender da jurisdição, ele essencialmente consiste em libertar as partes contratuais da responsabilidade ou obrigação quando um evento extraordinário ou circunstância atenuante, fora do controle das partes, impede que uma ou ambas as partes cumpram suas obrigações contratuais.

Os eventos de Força Maior clássicos incluem guerras, tumultos, epidemias, desastres naturais ou outros acontecimentos que podem ser legalmente considerados como atos de Deus.

Definições de Força Maior

A definição clássica de Força Maior é prevista na Convenção sobre Venda Internacional de Produtos (Convention on the International Sales of Goods, “CISG”). O artigo 79b da CISG declara que “[uma] parte não é responsável pelo descumprimento de nenhuma de suas obrigações se provar que a falha ocorreu devido a um impedimento fora de seu controle e que não era razoável esperar que se levasse em consideração o impedimento no momento em que o contrato foi firmado ou não seria possível evitar ou superar este, ou suas consequências.” O mencionado texto estabelece três requisitos para a configuração de Força Maior, a saber: (i) a causa do não desempenho está fora do controle da parte que invoca e procura usar a incidência de Força Maior; (ii) o evento não era razoavelmente previsível; e (iii) o evento e suas consequências não podem ser superados.

Além dos requisitos citados para a incidência de Força Maior na lei aplicável a um contrato, as partes geralmente estabelecem cláusulas sobre o tema ao redigir um contrato. Essas cláusulas são geralmente consideradas válidas e aplicáveis se forem consideradas representativas dos desejos e intenções das partes e, como tal, podem variar significativamente quanto ao seu escopo e cobertura. Muitas disposições contratuais de Força Maior incluem listas específicas de eventos que as partes concordam que se qualificarão como Força Maior. As Cláusulas Modelo de Força Maior da Câmera de Comércio Internacional (versões 2003 e 2020) incluem referências específicas a eventos como pragas ou epidemias. O fato de tais eventos específicos serem listados indica que estes são considerados presumivelmente qualificados como eventos de Força Maior e a parte afetada tem a possibilidade de apenas precisar provar que não conseguiu evitar ou superar as consequências do ocorrido.

As empresas afetadas negativamente pelo Covid-19 devem revisar cuidadosamente seus contratos com o objetivo de averiguar a existência de cláusulas de Força Maior nestes e verificar se a lei aplicável fornece proteção contra o não desempenho de obrigações contratuais devido a pandemias, como a do Covid-19. Ademais, as partes devem verificar se a cláusula de resolução de conflitos em seus contratos prevê que as disputas serão resolvidas por meio de arbitragem internacional (ad-hoc ou institucional) ou litígio judicial.

Por fim, os responsáveis pela tomada de decisão em qualquer disputa de Força Maior encontrarão um equilíbrio entre os princípios do Pacta Sunt Servanda – a noção de que acordos juridicamente vinculativos devem ser executados e a necessidade de levar em conta eventos imprevistos e suas consequências que podem tornar uma obrigação contratual excessivamente onerosa ou impossível de executar. Se um contrato incorporar linguagem padronizada, as partes possuem flexibilidade e liberdade para interpretar cláusulas vagas e abrangentes. Cada caso possui particularidades próprias no que diz respeito as obrigações contratuais de cada parte.

Como Invocar Força Maior: o caso Global Tungten

Geralmente, a parte que procura se basear na cláusula de Força Maior é obrigada a notificar sem demora a outra parte do evento de Força Maior e a divulgar sua intenção de invocar este instituto.

O caso 19566  de 2014 da Câmera de Comércio Internacional, Global Tungsten & Powders Corp. v. Largo Resources, Ltd, (“Global Tungsten”), é referência pois demonstra quais são os requisitos necessários para invocar a Força Maior no contexto de certas cláusulas contratuais. Neste caso, o Tribunal teve que decidir se a exigência de notificação da cláusula de Força Maior havia sido cumprida e, caso contrário, se deveria ser considerada uma condição precedente ao direito de invocar a cláusula. O Tribunal considerou que “é necessária uma linguagem clara para que uma obrigação de aviso de força maior seja interpretada como uma condição precedente”. A decisão em questão demonstra que as nuances de uma cláusula específica podem ter impacto significativo na caracterização de Força Maior e na capacidade de uma parte de evitar responsabilidade contratual com base em um evento de Força Maior.

Importante mencionar ainda que a versão de 2020 da cláusula modelo de Força Maior da Câmera de Comércio Internacional prevê que, se a duração do impedimento invocado priva substancialmente as partes contratantes do que elas tinham razoavelmente direito sob os termos do contrato, ambas as partes têm a permissão de rescindir o contrato mediante notificação dentro de um período razoável. Ademais, salvo acordo em contrário, a versão 2020 da mencionada cláusula modelo prevê que as partes expressamente concordam que o contrato pode ser rescindido por qualquer uma das partes se a duração do impedimento exceder 120 dias.

Conclusão

O Covid-19, sem dúvida, transformou o nosso modo de vida, nossas relações comerciais e sociais, e os resultados causados pela pandemia vão permanecer no nosso dia a dia ainda por algum tempo. O argumento da Força Maior como defesa a reinvindicações contratuais será certamente uma das questões principais a serem discutidas pelos Tribunais, que deverão considerar até que ponto o vírus, as respostas do governo e as consequências resultantes que as empresas enfrentam podem ou devem formar a base sobre a qual uma parte pode evitar a responsabilidade contratual. As empresas devem consultar sua assessoria jurídica e revisar seus contratos para verificar, se for o caso, quais recursos têm direito devido ao Covid-19 e seus efeitos adversos.

 

Diogo Pereira é sócio no De Almeida Pereira

Kirsten Teo é counsel no De Almeida Pereira

 

De Almeida Pereira PPLC, em Washington, D.C., possui significante experiência em casos que envolvem Força Maior. Entrar em Contato com diogo.pereira@dealmeidapereira.com caso necessário maiores esclarecimentos sobre o tema. No Brasil, contatar thiago.ribeiro@dprlaw.com.br