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Publicações - 16/12/20

Supremo Tribunal Federal declara a inconstitucionalidade do afastamento automático de servidor público em razão de indiciamento pelo crime de lavagem de dinheiro

O Supremo Tribunal Federal julgou procedente a Ação Declaratória de Inconstitucionalidade n. 4.911, para declarar a inconstitucionalidade do artigo 17-D da Lei 9.613/1998 – lei que dispõe sobre os crimes de lavagem e ocultação de bens. O referido artigo, com redação dada pela Lei 12.683/2012, determinava que, em caso de indiciamento pelo crime de lavagem de dinheiro, o servidor público seria automaticamente afastado de suas funções, até que o juiz competente, em decisão fundamentada, autorizasse seu retorno.

A ação foi ajuizada pela Associação Nacional dos Procuradores da República – ANPR, oportunidade em que sustentou que o mencionado artigo deveria ser declarado inconstitucional por violar uma série de direitos fundamentais, tais quais as garantias da presunção de inocência, da segurança jurídica, da razoabilidade e proporcionalidade, do devido processo legal, do contraditório e ampla defesa e, por fim, da inafastabilidade da jurisdição. Ademais, alegou que o dispositivo usurparia as competências funcionais do Ministério Público, que tem a atribuição de solicitar a aplicação de medida cautelar, e do Judiciário, a quem compete a determinação sobre sua aplicação.

O relator da ação, Ministro Edson Fachin, entendeu que o artigo 17-D da Lei 9.613/1998 não violaria a Constituição. Em seu voto, mencionou que a atribuição de poder cautelar à autoridade policial coaduna-se com as funções que lhe são atribuídas pelo texto constitucional, o que se alinha com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre a necessidade de instrumentos para o exercício do dever constitucional a órgãos que não exercem atividade estritamente jurisdicional.

Para sustentar esse argumento, citou o poder de decretar medidas cautelares no âmbito de procedimentos licitatórios do Tribunal de Contas da União previsto na Lei 8.666/93 e a possibilidade de decretação de medidas de urgência pelo delegado de polícia nas situações de violência doméstica previstas na Lei Maria da Penha. Ainda, mencionou a previsão da Lei 8.112/90, que permite que o servidor público seja afastado do cargo no contexto de um processo administrativo disciplinar, em medida que pode ser exarada pela própria autoridade instauradora do procedimento. Seguiu esse entendimento somente a Ministra Carmen Lúcia.

O Ministro Marco Aurélio, por sua vez, abriu divergência para sustentar a necessidade de uma interpretação conforme à Constituição ao artigo. Afirmou em seu voto que o afastamento do servidor é medida excepcional, de natureza cautelar, que sinaliza a limitação de direito individual, motivo pelo qual apenas poderia ser decretada por decisão judicial. Sendo assim, afirmou que o dispositivo de lei transfere a delegado de polícia atuação tipicamente jurisdicional, ensejando punição antecipada e, portanto, inconstitucional.

Ao final, julgou parcialmente procedente o pedido da ANPR para dar interpretação conforme à Constituição ao artigo 17-D, no sentido de que o afastamento de servidor público, ante indiciamento por delegado de polícia, pode ocorrer desde que se faça mediante crivo jurisdicional.

Entretanto, o voto do Ministro Alexandre de Moraes é o que prevaleceu. Sustentou que a Constituição da República impõe um sistema processual-penal acusatório, com claras delimitações de atribuição a cada órgão participante da persecução penal. Nesse contexto, o Ministério Público é o titular da ação penal, motivo pelo qual incumbe a esse órgão a decisão sobre a necessidade e conveniência da aplicação de medidas cautelares.

Ademais, rebateu a argumentação do Min. Edson Fachin, ao afirmar que as hipóteses referentes ao Tribunal de Contas e ao afastamento em processo disciplinar são distintas da hipótese do dispositivo em comento. Isso porque, tratam-se de hipóteses nas quais se exigem decisão administrativa fundamentada e sujeita a controle jurisdicional. O artigo 17-D, por sua vez, restringe direito fundamental sem decisão fundamentada, o que viola, sobretudo, o princípio constitucional da fundamentação das decisões judiciais e administrativas, assim como os princípios da legalidade e da proporcionalidade.

Por fim, julgou procedente o pedido da ANPR para julgar inconstitucional o artigo 17-D da Lei 9.613/1998, com a redação dada pela Lei 12.613/2012. Seguiram esse entendimento os ministros Luiz Fux, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Rosa Weber, Nunes Marques e Luís Roberto Barroso. O julgamento ocorreu em 23 de novembro 2020, com o trânsito em julgado em 12 de dezembro de 2020.