Publicações - 22/02/21
Prisão de deputado por ordem do Supremo Tribunal Federal gera discussão sobre os conceitos de crime permanente e crime inafiançável
A Constituição Federal estabelece a imunidade parlamentar. Em seu artigo 53, estabelece que os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. No § 2º do referido artigo, há a previsão de que os parlamentares “não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável.”
Assim, para haver a prisão de membros da Câmara de Deputados, a leitura desse dispositivo nos permite concluir que o agente deve incorrer em crime inafiançável (primeiro requisito) e ser detido em flagrante (segundo requisito).
Ao decretar e depois ainda confirmar a prisão do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ), o Supremo Tribunal Federal entendeu haver flagrante do delito previsto no artigo 18 da Lei de Segurança Nacional, no ato de postar e “manter” vídeo em redes sociais no qual o parlamentar defendia e apoiava o Ato Institucional n. 5, o que supriria o primeiro requisito do § 2º, da Constituição Federal.
Nesse sentido, para o Ministro Alexandre de Moraes, o crime hipotético praticado pelo deputado ainda estaria em flagrante pois ele teria uma natureza permanente, vez que o vídeo ainda permanecia no ar, autorizando a prisão em flagrante na forma do artigo 303[1] do Código de Processo Penal.
Quanto ao segundo requisito, o Ministro também fixou a tese de que o crime seria inafiançável, por estarem presentes os requisitos para a conversão do flagrante em prisão preventiva, em interpretação do artigo 324[2] do Código de Processo Penal.
O entendimento de que o ato de postar e permitir a divulgação de vídeo constituiria um crime permanente não deve ser considerado pacífico. Isso porque, o crime permanente é geralmente conceituado como aquele em que o momento da consumação do delito se estende pelo tempo, como na hipótese clássica de sequestro.
No caso do deputado, o crime teria se consumado no momento da postagem do vídeo. Esse entendimento pode ser respaldado por precedente análogo do STJ, no qual se decidiu que o crime de ameaça se consuma no local em que a vítima recebeu a ameaça expressada e enviada em meio digital (STJ, 3ª Seção, CC 156.284/PR).
Pelo entendimento então vigente, o hipotético crime em comento teria sido instântaneo e com efeitos permanentes, no tempo, o que, por raciocínio jurídico, desnatura a tese de que ele seria um crime permanente.
No que toca a discussão sobre esse ser um crime inafiançável, também gerou discussão a interpretação dada ao conceito de crime inafiançável. A Constituição Federal define os crimes inafiançáveis nos incisos XLII e XLIII do artigo 5º. O Código de Processo Penal estipula, em consonância com a Constituição, serem inafiançáveis os crimes de racismo, de tortura, de tráfico ilícito de entorpecentes, de terrorismo, de crimes hediondos e nos crimes cometidos por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático. Esses, portanto, são os crimes considerados inafiançáveis.
Em nova interpretação, o entendimento do STF dispôs que as hipóteses em que a fiança não é cabível, por razões processuais, deveriam ser equiparados ao crime inafiançavel. Esses casos processuais estão no artigo 324, do Código de Processo Penal, que disciplina, por sua vez, que não será concedida fiança quando presente certas condições, como os requisitos para decretação da prisão preventiva.
A diferença entre os dois artigos é que no primeiro há a definição dos crimes que são intrinsecamente inafiançáveis e o último estabelece condições que outros crimes podem tornar insuscetíveis de fiança por questões processuais.
Mesmo que repugnáveis as declarações feitas pelo parlamentar Deputado Daniel Silveira, a decisão do Supremo Tribunal Federal em decretar sua prisão em flagrante por crime inafiançável pode causar insegurança jurídica, diante da flexibilização de conceitos penais e processuais há muito concretizados pela doutrina e jurisprudência.
[1] Art. 303. Nas infrações permanentes, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência
[2] Art. 324. Não será, igualmente, concedida fiança:
IV – quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 312).